O existencialismo de Sartre postula que o homem não é um “ser emsi”,
não é um objeto inanimado como as coisas no mundo. Só as coisas
são em-si. O homem é um “ser para-si”, pois tem consciência de si
mesmo. O homem é um ser da liberdade, da escolha. É aquele que
deseja e escolhe o que deseja. Mas não se trata de obter o que se quer,
mas desejar com a alma, com discernimento, com autonomia,
determinar-se a querer por si mesmo. Dessa forma, o homem nada é,
mas torna-se o que se é quando constrói sua própria liberdade e,
portanto, sua própria essência.
É notório que em nossa época o homem moderno não escolhe
autenticamente a vida que quer levar. Ele assume compromissos sociais,
morais e religiosos que geralmente não pode cumprir. Por escolher mal
ele paga um preço muito alto, pois não consegue se libertar de suas
escolhas e fica angustiado. Para Sartre a angustia surge da consciência
de nossa liberdade, surge da responsabilidade por nossos atos. “É na
angústia que o homem toma consciência de sua liberdade (…) na
angústia que a liberdade está em seu ser colocando-se a si mesmo em
questão”. (SARTRE, 2002, p.72). Dessa forma, a angústia resulta da
revelação da nossa própria liberdade sem peias, limitada apenas por si
mesma, fonte absoluta de todo sentido. Mas esta liberdade “só é
descoberta reflexivamente, quando, engajado no mundo, em vez de
realizar meus possíveis (se se quiser, meus fins ou meu futuro), eu os
aprendo como meus” (MOUTINHO, 2003, p.77)
Sartre diagnosticou em nossa época que a maior parte dos seres
humanos preferem não ser livres. O homem prefere a não-liberdade do
que sentir a angústia de escolher sua própria liberdade. Alguns homens
prendem-se a riquezas, outros a fama. Uns levam o peso de seu orgulho,
outros o peso da solidão. Uns prende-se ao casamento, outros a
religião. Um curva a cabeça ao seu chefe, outro a familia. Só para
exemplificar, hoje em dia nós vemos uma grande parte dos casais
vivendo juntos sem amor, apenas se suportando. Isso por causa dos
filhos, por causa dos bens ou mesmo por dependência psíquica em
relação ao outro. A vida torna-se insuportável. O resultado são as brigas,
as traições, a ansiedade, as compulsões e as neuroses. Também há
profissionais que fazem a mesma atividade e odeiam o que fazem, são
incapazes de mudar de vida. Ficam na mesma profissão por anos a fio,
mesmo odiando o que fazem. É um desperdício das capacidades físicas,
intelectuais e da criatividade. A explicação de Sartre para estes
problemas está na angústia da escolha. O homem tem medo da
liberdade. Para muitos seres humanos a liberdade gera a angústia.
Muitos não suportam esta angústia e para não assumir a liberdade,
fogem dela. São incapazes de escolher. São homens da má-fé. A má-fé é
a atitude característica do homem que não é capaz de escolher. Este
tipo de homem aceita passivamente sua situação, pensa que sua vida é
assim porque Deus quis e que não pode mudar seu destino. Ele aceita
os valores, normas e regras da tradição passivamente sem nunca
refletir sobre elas. Ele engana a si mesmo e pensa que é dono de seus
atos.
O exemplo de má-fé no amor é bastante ilustrativo. Para Sartre a
união amorosa é um conflito irreconciliável, já que assimila a própria
individualidade e a do outro em uma mesma transcendência. Em
conseqüência disso, implica o desaparecimento do caráter de um dos
dois. Quem ama limita a liberdade alheia, apesar de respeitá-la. Dessa
forma, no amor a atitude da má-fé acontece quando o indivíduo está com
alguém há anos sem sentir amor, mas por questões morais, religiosas ou
por gratidão, fica assim mesmo com a pessoa. Ele não a ama, mas
dissimula para si mesmo que a ama. Ele não quer fazer uma escolha
pela qual teria que se responsabilizar. O indivíduo recusa a dimensão do
para-si e torna-se em-si. Ele é um objeto, uma coisa, o puro nada. É o
homem responsável que recusa sua liberdade e se torna um ser
conformado.
Quando não temos convicção sobre o que realmente desejamos e
sentimos, somos levados a desejar e a querer o que a sociedade ou
grupos nos inculcam. A ambição e as metas que temos não são nossas,
mas aprendemos e a adquirimos de outros. Lutar pelo êxito financeiro,
procurar ser um profissional bem sucedido, ter fama ou poder para
sermos amados e admirados torna-se uma ilusão. O resultado disso é a
ansiedade, o vazio interior e a solidão. Quando os verdadeiros
sentimentos e desejos se perdem surge a apatia e a resignação. A vida
torna-se fútil, sem emoções e os sonhos perdem sua importância. Esse
medo e incapacidade de escolher nos leva ao vazio. O vazio vem do
sentimento do nada que experimentamos. A pior coisa que pode
acontecer a um homem é o nada. O nada é o não-ser, o não se realizar, o
não querer mais, é o cansaço e a impotência.
MOUTINHO, Luiz D.S. Sartre:Existencialismo e Liberdade. São Paulo:
Moderna, 2003
SARTRE. J. L’Existentialisme est un humanisme. Paris: Gallimard. Col.
Folio. 1996
SARTRE. J. O testamento de Sartre. Paris: 1980. L&PM, São Paulo, p. 17-
64. Entrevista concedida a Benny Lévi para Nouvel Observateur
SARTRE, J. P. O Ser e o Nada: Ensaio de ontologia fenomenológica, trad.
Paulo Perdigão Petrópolis: Vozes, 2002